Por Mário Freitas
Os TOPS de sagas, capas ou criadores sempre foram um tema popular e palco de curiosos debates e sã discussão. Continuamos hoje o dos 20 maiores criadores de comics a solo, autores completos da BD americana que se notabilizaram pela criação, escrita e desenho de parte significativa ou relevante da sua obra.
Do nº 15 ao 11, continuámos a atravessar décadas e gerações de criadores da BD americana. Recordem aqui quem foram eles! E quem serão agora os maiores criadores de comics a solo que se seguem na lista?
Chegados à primeira metade do top, uma ressalva fundamental: além da qualidade intrínseca, e isso seria sempre inquestionável, a longevidade e/ou impacto histórico pesaram fortemente na escolha e ordem dos dez autores finais. Subjectivo, sempre, mas devidamente ponderado e esperemos que fundamentado. E aí estão eles, sem mais delongas!
Nº 10 – JIM STERANKO
Decorria o ano de 1966 quando, munido de uma lata e confiança supremas, o jovem JIM STERANKO entrou pelas portas da Marvel adentro para mostrar o seu portfólio ao editor Stan Lee. Passado o crivo dos homens de confiança de Lee, Roy Thomas e Sol Brodsky, foi tal o impacto do portfólio de Steranko que o editor de imediato lhe entregou Nick Fury, Agent of SHIELD, após um simples try-out sobre lápis de Kirby.
Num ápice, Steranko moderniza a série, transformando Fury num James Bond futurista, imbuído de uma sensualidade digna do Mestre Wally Wood. Se toda a figuração e dinamismo são puro Kirby 2.0, a composição e arrojo narrativo começam a beber de fontes diversas, de Will Eisner a Andy Warhol, com pitadas, ou mais que isso, do supremo surrealista Salvador Dali. Jim Steranko é um verdadeiro meteoro que cedo se encarrega também dos diálogos e da cor, criando sagas de puro deslumbre visual e narrativo, com némesis verdadeiramente à altura da SHIELD, como os regressados Barão Strucker e Garra Amarela, ou o enigmático Scorpio.
Desentendimentos com Stan Lee, fruto de interferências editoriais, afastam Steranko da Marvel pouco depois de ter assumido as rédeas do Capitão América com o espantoso “The Strange Death of Captain America”. Um verdadeiro visionário e homem dos mil ofícios, Steranko regressa à publicidade e à música e dedica-se a uma miríade de actividades tão diversas como o ilusionismo e a moda. Homem de enorme estilo e classe, Steranko ora desfila pelas passarelles ora se dedica a números dignos de Harry Houdini, tornando-se numa espécie de personificação de Scott Free, o Mister Miracle dos Novos Deuses.
Ainda nos anos 70, adapta Red Tide, um romance policial de Raymond Chandler, naquilo que apelidou de “romance visual”. De lá até hoje, continua a diversificar e a dedicar-se às suas múltiplas aptidões, da música ao cinema, com aparições esporádicas nos comics, em capas ou histórias curtas. Nesse campo, mais relevante foram os dois volumes da História dos Comics Americanos escritos por Steranko, desmonstrando bem que sempre estivemos perante um dos maiores pensadores da BD americana, e um homem a quem bastou um par de anos para marcar para sempre a história do meio.
Nº 9 – JOHN BYRNE
Para quem cresceu a ler os formatinhos da Editora Abril durante a década de 80, JOHN BYRNE terá sido, muito provavelmente, o autor mais popular dessa geração. Após cerca de cinco anos de assinaláveis co-criações com Chris Claremont ou Roger Stern, Byrne iniciou a sua singular carreira a solo, começando por revitalizar os Fantastic Four.
Eternamente à sombra das histórias seminais de Jack Kirby e Stan Lee, o Quarteto viveu 10 anos sem grande centelha, com meros fogachos de todo o potencial de um universo povoado por personagens como Doom, Galactus, os Inumanos ou o Aniquilador. John Byrne chegou, viu e venceu, iniciando a melhor fase da sua carreira a todo o gás, com histórias clássicas umas atrás das outras, das quais “Terror in A Tiny Town” ou “The Trial of Reed Richards” são apenas duas das mais brilhantes. Toda a fase do autor anglo-canadiano é de tal forma soberba, que cometo até a ousadia de a pôr num patamar acima das sagas de Kirby e Lee.
Além de uma velocidade e produtividade imensas, John Byrne parecia ter o toque de Midas. Cria logo em seguida a Alpha Flight, um super-grupo de heróis canadianos que rapidamente guinda ao estrelato e sucesso. Desentendimentos com o editor-chefe Jim Shooter afastam Byrne da Marvel, entregando-o de mão beijada à Distinta Concorrência, onde fica encarregue de revitalizar e reinventar o Super-Homem, pós-Crise, devolvendo-o a uma qualidade e popularidade há muito perdidas.
Regressa à Marvel em 1989, dedicando-se desta feita a She-Hulk, West Coast Avengers e Namor, aqui com uma belíssima homenagem estilística ao criador Bill Everett. Ingressa depois no selo “creator owned” da Dark Horse, onde cria os Nextmen, uma espécie da sua versão pessoal dos X-Men. É então, em meados da década de 90, que a criatividade de Byrne parece entrar em declínio, primeiro com uma fase desinspirada na Wonder Woman e, em seguida, com uma revisitação desastrada das primeiras histórias do Homem-Aranha. A “marca” John Byrne sofre, a sua popularidade descresce, e o próprio feitio irascível do autor em nada contribui para o estado das coisas.
Fosse este top feito há 25 anos e John Byrne estaria provavelmente entre os 5 primeiros. Infelizmente, as últimas duas décadas pouco ou nada trouxeram de novo ou interessante à sua obra. Fica, porém, a marca indelével de um dos autores que mais contribuíram para a paixão que toda uma geração nutre pelos comics.
Nº 8 – STEVE DITKO
Decorria o início dos anos 50 e STEVE DITKO começou por alicerçar a sua arte e engenho no estúdio de Simon e Kirby, sobetudo como arte-finalista e assistente de Mort Meskin. A primeira passagem pela Charlton começa a revelar um mestre das ambiências e do bizarro, fama que cimenta em seguida na Atlas, na fase pré-heróis Marvel.
A solo ou com Stan Lee, Ditko produz dezenas de histórias curtas de enorme sensibilidade emocional e narrativa, revelando-se igualmente à vontade na ficção científica, no terror ou até na comédia. A arte de Ditko é única, incomparável, e a expressão grotesca das suas personagens é perfeitamente complementada por uma linguagem corporal inconfundível. Como o que veio depois bem imortalizou…
Tenha sido a ideia inicial de Stan Lee, de Jack Kirby ou até de Joe Simon, uma coisa é certa: o HOMEM-ARANHA é PURO Steve Ditko! Ditko criou o uniforme, criou a origem, e cimentou com Stan Lee toda a personalidade de Peter Parker e dos que o rodeavam. Mas uma criação marcante não bastava e Steve Ditko entregou de bandeja uma outra nas mãos de Stan Lee: DOUTOR ESTRANHO. Os universos e bizarras realidades em que Stephen Strange se move são talvez o maior atestado da genialidade do tímido criador, que tem talvez na concepção visual da Eternidade a sua proeza suprema. Porém…
Steve Ditko era um homem difícil; estranho e misterioso como várias das suas criações. Sem o devido crédito pela escrita e criação das suas personagens, Ditko despede-se sumariamemte da Marvel e regressa à Charlton, onde cria The Question, o percursor de Rorschach, e o novo Blue Beetle. Para os magazines Eerie e Creepy, produz alguma da sua arte mais deslumbrante de sempre, em histórias por si escritas ou em conjunto com o saudoso Archie Goodwin.
Os anos 70 marcam um Ditko cada vez mais alienado e imerso no Objectivismo radical de Ayn Rand. Cria, para a DC, os bizarros The Creeper e Shade, The Changing Man, e regressa à Marvel no final da década, recusando sempre voltar às personagens que marcou, ficando por criações de menor relevância. Passou os últimos 35 anos de vida em quase total reclusão, nunca deixando porém de produzir fanzines com as suas personagens, em particular Mr.A, um verdadeiro avatar da persona de Ditko. Morreu sozinho em 2018 aos 90 anos, ficando para sempre a aura de mistério de um dos maiores génios de sempre da BD americana.
Nº 7 – WALLY WOOD
O “Enfant Terrible” da BD americana, WALLY WOOD cedo demonstrou todo o seu talento e versatilidade ao serviço da EC Comics, logo no início dos anos 50, criando ou ilustrando para Harvey Kurtman dezenas e dezenas de sublime histórias. Mestre do detalhe e da composição, os seus cenários de guerra meticulosamente pesquisados conferiam todo o horror de uma realidade muitas vezes mitigada e infatilizada.
Da “realidade” da Idade Média, das duas Grandes Guerras ou da guerra da Coreia, Woody facilmente passava para visões futuristas e sublimes episódios do melhor que a BD alguma vez viu em ficção científica. O seu estilo ilustrativo herdado de Hal Foster era complementado com uma dinâmica e narrativa que jamais o criador do Príncipe Valente tivera. Essa dinâmica sobressaía em particular no corrosivo humor da revista Mad, do qual Wally Wood foi um dos fundadores.
Eternamente inquieto e imprevisível, o autor americano nunca se colou demasiado a uma única editora, colaborando aqui e ali em diversas empreitadas e co-criando, por exemplo, para a DC Comics, os Thunder Agents. Os anos 60 marcam uma breve passagem pela Marvel, destacando-se a criação do uniforme vermelho do Daredevil e meia-dúzia de magníficas histórias do Doctor Doom na antologia Amazing Adventures. Pouco dado a conformismos ou compromissos, rompe com a Marvel pela falta de crédito da escrita das suas histórias e dedica-se à auto-publicação com o magazine Witzend, um veículo de publicação alternativa para si e outros autores mais experimentalistas do meio.
Dono de um traço perfeito e sensual, ou não seja ele um dos maiores arte-finalistas de sempre (a tira Sky Masters, de Kirby e Wood, é um dos maiores deleites visuais de sempre), o quarentão Wally Wood inicia então a última fase da carreira dedicando-se à BD erótica e até explícita. Destaque-se o soberbo Cannon, e os provocadores Sally Forth e uma versão com bolinha da Branca de Neve e Os 7 Anões, os dois últimos publicados na antologia Gang Bang.
Wally Wood, como odiava ser tratado, era um homem ímpar. Corajoso, talvez perturbado, não papava grupos e ousou percorrer caminhos impensáveis para a maioria dos seus pares. Aos 54 anos, o alcoolismo, perspectivas incertas de carreira, problemas graves de saúde e a perda de visão num dos olhos ditaram a sua decisão: a 2 de Novembro de 1981, suicida-se com um tiro na cabeça. Fica uma obra ímpar. Fica, para a posteridade, um guia para todos os que queiram saber como se conta uma história em BD, o enciclopédico “22 Panels That Always Work”.
Nº 6 – ALEX TOTH
Dividiu toda a carreira entre a BD e a animação, pelo que aquilo que vou afirmar não será decerto um exagero: ALEX TOTH foi o MELHOR narrador visual que os comics alguma vez viram. Ponto.
De ascendência húngara, Toth foi um homem vivido e viajado, que cedo marcou a sua independência perante editoras e editores, e, nesse particular, o seu trajecto assemelha-se ao de Wally Wood. Os anos 50 marcam uma passagem de Toth pela DC Comics, onde começa por desenhar um pouco de tudo, cedo também demonstrando ser excepcional em tudo. Numa passagem pelo serviço militar, numa base americana no Japão, Alex Toth descobre a sua veia de argumentista com a tira Jon Fury.
Os anos 60 marcam meia-dúzia de histórias do Zorro para a Dell, coisa que provavelmente muitos de nós leram na infância sem sonhar quem fazia. O resultado, como seria de esperar, tem a marca de um génio multifacetado. Guerra, fantasia, aventura, aviação, corridas de carros e até super-heróis. Como Wood, a versatilidade e brilhantismo de Toth surgem em todas as formas. Mas onde Wood é ilustrativo e ultra-detalhado, Toth é altamente estilizado e minimalista. Todas as linhas de Toth têm um propósito; cada plano, cada vinheta servem em exclusivo a narrativa e jamais o exibicionismo puro do desenho pelo desenho.
Ao longo da vida, Toth foi um estudioso da arte de fazer comics e dos seus artistas. Homem directo, até truculento e irascível, nunca se coibiu de criticar os seus pares ou certas tendências da indústria, sendo famoso um episódio em que traumatizou Steve Rude para sempre. Alex Toth era um perfeccionista; na BD ou na animação, nunca parou de trabalhar; literalmente até morrer. Em 2006, sentado como sempre ao estirador, um ataque cardíaco fulminante tirou-lhe a vida, à beira de completar 78 anos. Por razões que se desconhecem, nunca completou o seu trabalho mais personalizado, Bravo For Adventure, o alter ego de Errol Flynn que serviu de veículo aos prodígios visuais e narrativos de Toth e à sua profunda paixão por aviões.
Nº 5 – WINSOR McCAY
Quando introduzi este top, logo adverti que nele não incluiria autores de tiras de jornais, com uma única e justificada excepção; e chegou enfim esse momento. Se o suiço Rodolphe Töpffer é tido na generalidade como o pai da Banda Desenhada, foi Zenas WINSOR McCAY que criou todo o visual e convenções narrativas que ainda hoje são a base da BD moderna.
Um verdadeiro génio e pioneiro de ambas as artes, o autor americano alternou a sua carreira entre os “Comic Strips” (e o cartoon editorial) e a animação, com três décadas de produção notável entre o início do século 20 e os primeiros anos da década de 30. Fascinado pelo mundo dos sonhos, “Dream of The Rare Bit Fiend” marca a primeira incursão de McCay pela narrativa onírica e abre caminho à sua obra maior e aquela pela qual se tornou mais famoso: Little Nemo in Slumberland. Inspirado pelo filho, Winsor McCay cria semanalmente, para o New York Herald, tiras dominicais de página inteira sobre um menino que tem os sonhos mais bizarros e fantásticos, até acordar, sempre e inevitavelmente, na vinheta final.
Tirando partido da boa reprodução tipográfica e de cor do New York Herald, à época tida como a melhor, McCay “abre o livro”, inventa e reinventa convenções narrativas e estilísticas, e abre caminho para o século seguinte da Banda Desenhada. Os exemplos são múltiplos, marcantes; antes, ou mesmo depois de McCay, os balões de fala não existiam ou não eram usados. As perspectivas e planos de câmara também não variavam até McCay usar e abusar dessa impressionante panóplia de ferramentas narrativas. Vinhetas verticais, horizontais, quadradas ou em grelha, vinhetas em “travelling”; o formato torna-se flexível, servindo a história e o ritmo que McCay deseja. O desenho “art deco” é preciso, belíssimo, e ainda hoje se notam claras influências em artistas tão díspares como Hergé, P. Craig Russell, Chris Ware ou Frank Quitely.
Da BD à animação, Winsor McCay, marcou décadas de gerações vindouras. Foram precisos mais 20 anos para aparecer outro génio da animação como Max Fleischer e outros tantos para surgir um Chuck Jones ou um Tex Avery. Na BD, felizmente, os avanços foram mais rápidos e notórios, logo desde os anos 20, e outros gigantes surgiram, na senda de McCay e por ele fortemente influenciados, como o já referido Hergé ou o incontornável Carl Barks. Zenas Winsor McCay morreu em 1934, vítima de uma embolia cerebral, deixando uma fortuna apreciável e um legado incalculável.
Nº 4 – FRANK MILLER
O final da década de 70 marca o surgimento de um homem que viria a mudar para sempre a essência dos comics de super-heróis. Com Daredevil, FRANK MILLER transforma um herói eternamente híbrido e indefinido numa verdadeira série crime noir hard-boiled. Imbuído de múltiplas influências, ora clássicas como Bernie Krigstein, ora importadas de fora da BD, Miller destila uma maturidade e intensidade narrativas pouco ou nada comuns nas personagens históricas das grandes editoras.
Ronin, editado em 1983 pela DC Comics, é um poderoso tour de force sobre um samurai caído em desgraça e perdido num futuro distópico. Pitadas de mestres europeus como Moebius ou Bilal e uma clara influência do grande clássico japonês Lone Wolf & Cub marcam o amadurecimento estilístico do ainda jovem Frank Miller. Com Dark Knight Returns, retornou o Batman às suas raízes mais negras e abriu uma Caixa de Pandora que gerou uma quantidade de pobres imitações estilísticas, incapazes porém de replicar a substância e riqueza narrativas do original.
Um eterno insatisfeito, a arte de Miller está em permanente mutação. Já nos anos 90, Sin City, da Dark Horse, mostra um Miller cada vez mais cinemático e traçado a alto contraste, bebendo de outras influências marcantes como Steranko ou Alex Toth. A sua prosa é dura, cortante, ritmada, uma batida que acompanha na perfeição as histórias violentas que Miller destila e a forma desabrida com que as ilustra. 300, com a agora ex-mulher Lynn Varley, reforça a veia “widescreen” de Miller, conferindo-lhe um cunho histórico até então pouco comum na obra do autor americano.
É então que chega o 11 de Setembro de 2001, que marca Frank Miller de forma indelével. Cada vez mais experimentalista, Dark Knight Strikes Again é recebido com pouco entusiasmo. As posições políticas de Miller reflectem-se cada vez mais no que escreve e o polémico mas arrojado Holy Terror perde-se, envergonhado, entre acusações de anti-islamismo. Artística e estilisticamente, é talvez a última grande obra de Miller, que sobrevive depois, por pouco, a uma grave doença. Paulatinamente, tem regressado à criação, em particular como argumentista. Mas faça o que fizer até final dos seus dias, fica a obra de um homem que mudou para sempre a face, por vezes bafienta e incestuosa, da BD americana.
Nº 3 – CARL BARKS
A paixão, o gosto que seja, pela BD, é algo fundamental de se incutir desde tenra idade. E se há homem a quem milhões espalhados pelo mundo devem esse gosto será certamente ao mágico CARL BARKS.
Nascido no Oregon rural, no primeiro ano do século 20, Barks foi uma espécie de Clark Kent da vida real, dedicando boa parte do seu tempo aos terrenos e gado do seu pai. Experimentou profissões diversas, sem especial talento ou vocação, até perceber que era na sua paixão pelo desenho que se escrevia o seu futuro. Nos anos 30, é admitido nos estúdios de animação da Disney, onde se dá o seu primeiro contacto com o recém-criado Pato Donald, que viria a marcar e revolucionar nas décadas seguintes.
Farto da linha de montagem dos estúdios Disney, Barks retira-se da animação. O bichinho narrativo, porém, instalara-se, e vira-se então para a BD, curiosamente para a Dell, o selo de comics da Western que detinha os direitos de publicação da Disney em BD. Começa então a escrever para o título “Walt Disney’s Comics and Stories”, onde mês após mês cria e recria todo um universo de personagens que ainda hoje povoam o imaginário popular.
Ao longo de 20 e poucos anos, Barks concebe mais de 500 histórias, da comédia de costumes à grande aventura, criando ícones como o omnipresente Tio Patinhas (Uncle Scrooge), o rival Patacôncio, o obnóxio Gastão, o inventor Professor Pardal, a Maga Patalógica, os Metralhas, os Escuteiros Mirim ou o intratável Silva, o vizinho do Donald. Além de desenhador de fino recorte, Barks mostrou-se um argumentista extraordinário, muito à frente do seu tempo, e um dos melhores escritores de diálogos que os comics já conheceram. O seu sentido de humor está perfeitamente representado nas aventuras e desventuras dos seus protagonistas, Donald e Scrooge, cujas frustrações e resiliência espelham bem a postura do autor perante as agruras da vida.
Retirado, inicia nos anos 70 um conjunto de assombrosas pinturas a óleo com as suas emblemáticas personagens, com as vendas em leilão a atingirem facilmente os milhares de dólares a peça. Curiosamente, e apesar de muitas das suas histórias se passarem em locais diversos do mundo, só nos anos 80 Barks sai pela primeira vez dos Estados Unidos, iniciando um périplo por vários festivais no planeta, nomeadamente na Europa. Morreu aos 99 anos, marcando como poucos a história do século 20, muito para além das páginas das “Histórias aos Quadradinhos”.
Nº 2 – WILL EISNER
Para além de um talento natural para contar histórias, cedo o jovem WILL EISNER demonstrou uma sagacidade e instinto prático raros nas almas mais criativas. Aos 19 anos, uma sociedade com Jerry Iger tornou-se no principal estúdio produtor de conteúdos para diversas editoras de comics como a Fox ou a Quality; uma verdadeira linha de montagem que empregava dezenas de argumentistas e artistas, não necessariamente bem remunerados pelo trabalho invisível que produziam. Resultado de tudo isto, Eisner, aos 22 anos, já estava rico.
É então que cria o seu grande marco, o incontornável anti-herói THE SPIRIT, publicado ao longo de 12 anos em dezenas de suplementos dominicais dos principais jornais americanos. A Eisner não bastava uma mera página dominical; a sua ambição pessoal e narrativa exigia histórias mais longas, verdadeiros comic books distribuídos com os jornais. E Spirit mostra enfim toda a genialidade de Will Eisner, um contador de histórias nato e um dos melhores escritores de diálogos da história da BD americana. Um homem que quebrou regras e reinventou a utilização de vinhetas, acelerando e desacelerando ritmos narrativos na perfeição e guiando o olho do leitor de forma ousada mas sempre lógica. Sem espinhas. E com um lote de excepção de “ghost artists” como Julius Pfeiffer, Lou Fine ou Jack Cole.
De 1952 a 77, a carreira de Eisner é atípica e abranda consideravelmente. Para além de contribuições esporádicas para as múltiplas reedições de The Spirit, continua a veia pedagógica iniciada na 2ª Guerra e dedica-se a “PS, The Preventive Maintenance Monthly”, um magazine formato digest com conteudo educacional em BD para o governo, o exército e empresas. Chega então o final da década de 70 e Will Eisner vira-se enfim para as obras e para o formato narrativo que o imortalizaram.
Não foi decerto o criador da “graphic novel”, mas foi o homem que a guindou a outros patamares. Primeiro com “A Contract With God”, depois com obras como “The Building”, “A Life Force” ou “Dropsie Avenue”, Will Eisner mostra à saciedade como a BD pode ser das artes mais adultas, mais pungentes, mais perfeitas para narrar a vida de pessoas comuns. Cada novo livro de Eisner é uma lição narrativa e o autor tem perfeita noção da sua enorme veia pedagógica. Publica três livros fundamentais sobre a arte de fazer BD e dedica-se ao ensino na New York School of Visual Arts. Morre em 2005, quase com 88 anos, criando sempre, até ao fim: a sua última “graphic novel”, The Plot: The Secret Story of The Protocols of the Elders of Zion, foi editada postumamente.
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*Mário Freitas é o fundador e responsável da Kingpin Books, e leitor, estudioso e coleccionador inveterado de BD
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