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“A violência nos quadradinhos está sempre nas sombras, na sugestão, naquilo que adivinhamos acontecer.”

Por JOÃO PEDRO EUGÉNIO *

David Harbour, o Xerife Hopper de Stranger Things, é o novo Hellboy no grande ecrã.

A Sinopse

Século IX na Grã-Bretanha: a feiticeira Nimue (Milla Jovovich) é vítima de uma emboscada por parte do Rei Artur, que depois de derrotá-la pela espada, a desmembra e a guarda em diferentes arcas que são escondidas em locais secretos, na esperança de que nunca mais possa voltar à vida. Século XXI: Hellboy (David Harbour) é enviado pelo B.P.R.D. (Bureau for Paranormal Research and Defense) dos EUA ao México para recuperar um velho colega. Missão falhada.

A partir daí, inicia-se uma viagem frenética que vai até ao Reino Unido e que envolve emboscar gigantes, descortinar sociedades secretas, sobreviver a feitiços e a javalis sacanas e… claro, enfrentar o Apocalipse. Adivinhem quem está a contar com ele para um plano infernal? Nós, claro, mas também a tipa de que vos falei no início.

Mila Jovovich como Nimue, A Rainha do Sangue

A Crítica

Depois dos estúdios se fartarem de esperar por Guillermo Del Toro para um terceiro capítulo que encerraria a sua trilogia, eis que surge um reboot da personagem bandeira da Dark Horse Comics. Aproveitando a ocasião e o recente sucesso de Deadpool, foi tomada a decisão de dar rédea solta a Neil Marshall, o realizador, que tornaria o filme proibido para os olhos dos jovens incautos e alinharia num festim gore, não poupando os nossos olhos a sangue, membros corporais a voarem e macumbas doentias. Embora atravesse pontos-chave da banda desenhada original, principalmente de “The Wild Hunt”, também é verdade que há pouca cola que os una.

Ben Daimio, Hellboy e Alice Monaghan, um trio improvável.

Isso quer dizer que, sobretudo, há pouca ligação entre cenas, personagens subdesenvolvidas (a propósito, contem com um Professor Broom mais jovem e aparições de Alice e do Major Ben Daimio do spinoff B.P.R.D) e também a necessidade de tornar hiper-violento aquilo que à partida não teria de o ser. Digo isto, sobretudo, porque a personagem nos comics não se revela assim tão violenta, nem sequer se rodeia de fenómenos particularmente com esse cariz.

A violência nos quadradinhos está sempre nas sombras, na sugestão, naquilo que adivinhamos acontecer. Não que Del Toro tenha captado a essência da personagem nos seus filmes, que acabaram sempre por ser mais filmes seus, que outra coisa. Porém aqui tenta-se descolar demasiado desse lirismo, sempre num registo barulhento, que usa e abusa do rock and roll e aposta num ritmo absolutamente frenético e abismal, quando na verdade se pedia contenção e silêncio, justamente para captar as sombras tão bem ilustradas pelo criador.

Baba Yaga, a lenda russa que Mike Mignola introduziu no universo de Hellboy

A fotografia parece fazer mais esse serviço, mas a edição acompanha o ritmo, inevitavelmente, que os estúdios quiseram imprimir. Resta um filme que faz justiça em episódios à obra original de Mignola, que nos entretem sempre, mas que que porventura podia ter ido com mais calma e desenvolvido as personagens ao longo de eventuais filmes posteriores. Ao querer pôr as fichas todas já neste primeiro capítulo, parece ter morto os seguintes. Destino que, curiosamente, o personagem teria tido, se se continuasse a seguir à regra a obra da 9ª arte.

Fica a vénia, ainda assim, para o arrojo de um blockbuster que nunca nos adormece e um elogio final, em jeito de cena secreta, para um Lobster Johnson (Thomas Haden Church) que nos põe um sorriso na cara e que deixa o bom velho “Red” histérico, e ainda para uma Baba Yaga insuportavelmente doentia. No bom mau sentido, claro.

*João Pedro Eugénio é um leitor assíduo de comics e um recém-convertido ao universo bedéfilo de Hellboy

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